Pedro E. Almeida da Silva
Testes rápidos de diagnóstico laboratorial em farmácias e a saúde pública
Pedro E. Almeida da Silva
Farmacêutico-bioquímico, membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose, bolsista de Produtividade do CNPq, professor titular da Furg
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O diagnóstico laboratorial é um dos campos da saúde em que se observou um dos maiores avanços tecnológicos nos últimos 20 anos. Novos biomarcadores, métodos moleculares, automação analítica, rigoroso controle da qualidade e adoção de tecnologia de informação modificaram o perfil do laboratório clínico, reforçando o seu protagonismo no cuidado à saúde das pessoas.
No contexto destas inovações tecnológicas foram também desenvolvidos os testes rápidos (TRs), que mesmo de qualidade diagnóstica limitada, quando utilizados corretamente, representam um avanço no enfrentamento de crises de saúde pública, como surtos, pandemias e endemias, especialmente em lugares de difícil acesso. Os TRs são também importantes como triagem ou como apoio ao autocuidado em situações específicas, como por exemplo Covid-19, hepatites, Aids.
Por outro lado, o uso de um TR, de forma indiscriminada, numa ação desconectada de um sistema de saúde resolutivo, capaz de proporcionar a prevenção, diagnóstico e tratamento, resultará em graves consequências para saúde individual e coletiva. A realização dos TRs nas farmácias, conforme previsto na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 786 da Anvisa, pode abrir um espaço de precariedade/iniquidade, prejuízo econômico e danos à saúde em geral.
A precariedade deve-se ao uso de TR (reduzida capacidade diagnóstica) sem o controle de qualidade e confirmação por testes de maior complexidade e qualidade. Além disso, quando o resultado de um TR for usado equivocadamente como um diagnóstico definitivo, poderá promover o erro ou retardo do diagnóstico correto, além de estimular a automedicação ou uso irracional de medicamentos.
O prejuízo econômico e a promoção da iniquidade ocorrem a partir do repasse do ônus do diagnóstico laboratorial para a população, em particular aquela com maior vulnerabilidade social, contrapondo-se aos princípios do SUS.
O alto risco de danos à saúde pública é evidente. Para o indivíduo, promove um diagnóstico precário com risco de agravamento da enfermidade. Para a saúde coletiva, coloca-se em perigo o monitoramento de doenças de notificação compulsória e/ou de endêmicas, dificultando o controle destas doenças e o planejamento estratégico dos órgãos de saúde pública para a aquisição e distribuição de insumos laboratoriais, medicamentos, vacinas, equipamentos de proteção, entre outros.
A liberdade de escolha, aumento da possibilidade de acesso à saúde e potencialização do autocuidado têm sido os argumentos apresentados para a realização irrestrita dos TRs nas farmácias. Entretanto, são escassas as evidências científicas sobre os benefícios desta estratégia para a saúde pública. Da mesma maneira, são raros, se existentes, os exemplos do uso de TRs, da forma em que foi autorizada pela Anvisa, em países similares ao Brasil, seja quanto ao sistema público de saúde como quanto ao perfil socioeconômico e educacional da população.
O Ministério da Saúde deverá promover um rigoroso monitoramento e vigilância da implementação dos TRs nas farmácias, avaliando os impactos resultantes desta prática. Do contrário, estaríamos cometendo o erro de adotar estratégias de saúde pública que estejam desconectadas de evidências científicas, gerando um dramático dano a população, como vimos recentemente na Covid-19.
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